22 junho, 2009

wood


Os meus passos vagueiam na estrada de pó, correm ruas e vielas, atravessam distraídos as travessas da minha infância enquanto olho os meus pés de unhas vermelhas, enfiados nas sandálias de corda.

Quando não há mais por onde fugir, quando o caminho se queda aqui, junto à casa de madeira pintada, levanto o olhar da poeira e abraço-te assim, casa mia de mio cuore, embrulho-te nas memórias que já se agitam irrequietas no meu pensar.

Subo devagar, sem barulho, as escadas do alpendre, como se os ouvidos das gentes de outrora pudessem ser pertubardos do seu sono por este meu visitar inoportuno e inesperado. As mãos tacteiam-me o corrimão, sentindo-lhe a textura áspera, o calor que se desprende naquela tarde de Maio.

A porta não está fechada, com meia volta do puxador abre-se como se desvendasse algum segredo secreto, como se não fosse eu parte deste lugar, desta história.

Entro, bate-me o coração inexplicavelmente irrequieto nas costelas, pressentindo o dejà vú que se adivinha no entrelaçar dos minutos que decorrem no relógio.

Entro, enfim.

Descalço os pés que soltam as asas no soalho de madeira, e começam a querer dançar, sentem na pele os passos corridos das crianças que por ali faziam jogos de esconde-esconde, os meus pés dançarinos que caminham pelo chão quente.

Invade-me o odor adocicado da madeira que tudo reveste, aroma da minha infância a adolescência, penetra-me o corpo pela pele seca que arde com a tua falta. Porque ali é tudo tu, ali é tudo fomos, ali é tudo eu.

Olho os sofás velhos desarrumados do sítio, percorro devagar o antigo escritório do meu pai e no esvoaçar do cortinado (como é possível que ainda exista, intocado pelas traças?) parece que lhe sinto a presença apaziguadora e amável, como espírito travesso que me dá as boas-vindas.

Na cozinha, o velho fogão a gás lembra-me o rosto doce da minha bela mãe, mulher serena de peito farto e sempre pronta para nos desculpar, entre beijos de açúcar e uma palmada fingida, as travessuras em que éramos peritos.

O meu quarto saúda-me e chama-me, do primeiro andar. Não consigo evitar as lágrimas que me sulcam o rosto e o enchem de histórias quando entro neste que foi o lugar que escondeu os nossos primeiros beijos. Lembro a escada que encostavas à janela, noite cerrada, para me subires ao coração, aquele que roubaste para não mais devolver, e eu que me esqueci de to pedir de volta, porque a mim já não me faz falta desde que de mim partiste.

Lanço o corpo na cama de lençóis de linho antigo e soluça-me a alma, aos tropeções, recorda este meu velho (sim, velho, não mais o uso sem ti, envelheceu-me em vida...) corpo os abraços ardentes com que me envolvias, a tua pele que cheirava às flores do jardim da minha mãe onde te escondias, a tua boca madura e louca procurando-me, sugando-me, a nossa pele colada em água, as tuas mãos que me descobriam a cada nova forma de fazer amor disfarçado (sem barulho, sussurrado, para que ninguém no Mundo nos soubesse assim...)...

Sai-me pela boca o grito que tanto tempo calei e que tem o teu nome, meu amor, meu grande amor, porque te foste desta terra em direcção ao céu e me deixaste oca de ti?

E adormeço enfim, vencida, caída, enrolada nesta bola de saudades, embalada neste sonho em que o teu sorriso de estrela de cinema ainda era meu e a tua voz de Frank Sinatra me cantava ao ouvido baladas pirosas de amor adolescente...